quarta-feira, 13 de junho de 2012

Inteligente demais para pensar





 "A fé é a grande escapatória, a grande desculpa para se fugir à necessidade de pensar e avaliar as evidências. A fé é acreditar ‘apesar de", e até talvez precisamente ‘por causa" da falta de provas." Essa frase é de Richard Dawkins, um dos mais famosos ateus ativistas da atualidade. Os ateus ativistas, apesar de serem minoria, têm conquistado um espaço enorme na mídia e nas livrarias. Um dos grandes motivos de serem tão contra a religião (não tanto contra Deus) é a irracionalidade que eles dizem existir por trás das organizações religiosas. Na mente de muitos ateus - e de muitos cristãos também -, religião é uma coisa, razão é outra. Como diríamos popularmente: "Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa".
Religião, então, seria uma "escapatória" do pensamento, do conhecimento, da racionalidade. É como se fosse uma redoma em que você é desobrigado de olhar as evidências de perto para acreditar; você pode contar apenas com a fé, e isso já é "bom o bastante".
Antes de entendermos se isso é verdade ou não, vamos ver como começou essa tal de racionalização fora e dentro do âmbito da religião. Vamos começar então com a Idade Média, mais conhecida como a "idade das trevas". Por que "idade das trevas"? É comum ilustrar essa época da seguinte forma: imagine que você é uma criança e desde bebê seus pais lhe falam para nunca abrir certo armário da casa. Logicamente, você vai passar toda a infância com um medo terrível daquele armário. O que será que existe lá? É um monstro? Alguma coisa feia e assombrosa? Enfim, você nunca questiona, só obedece. Assim era a religião na Idade Media: dominava o pensamento das pessoas, a arte, a filosofia e, acredite, até mesmo a ciência.
Os "formadores de opinião" eram Agostinho, Aristóteles e Tomás de Aquino. Este último e outros buscaram criar uma filosofia que unisse as ideias de Agostinho e de Aristóteles, ou seja, em que fé e razão se harmonizassem uma com a outra, sem qualquer problema. Ai de quem ousasse questionar a autoridade e a suprema sabedoria da Igreja!
Do século 14 até o século 16, novas formas de pensar começaram a surgir, ameaçando a ordem da Idade Media. Foi então que surgiu a Renascença. Como a palavra "renascença" diz, acreditava-se que o mundo estava nascendo de novo, em todos os aspectos possíveis: na filosofia, na ciência, na literatura, na arte e na religião. Artistas voltaram a descrever a beleza e a superioridade da forma humana em seus retratos e esculturas; cientistas passaram a acreditar somente no empírico, ou seja, naquilo que se pode provar por experiências científicas; a astronomia colocou por terra as teorias a respeito dos planetas e das estrelas; a medicina passou a descobrir que as doenças não eram causadas pelo pecado ou pelo demônio, mas por agentes externos e internos no corpo humano. E, na religião, a maior revolta de todos os tempos: a reforma de Lutero. Mas não pense que essa mudança foi tranquila. Muitos desses renascentistas sofreram duramente por pensar diferentemente das autoridades da época. Um exemplo disso foi o caso de Galileu, que, por dizer que a Terra se move em torno do Sol (e não o contrário), foi condenado em 1633.
Finalmente, com o Iluminismo, a França continuou o que o Renascimento tinha começado. Foi uma época de formalismo, geometria, beleza e principalmente intelecto. E, é claro, o que a França fez, a Europa copiou. Voltando à história do armário, é como se uma criança tivesse finalmente reunido a coragem de abrir uma fresta do móvel e visto que lá dentro não tinha nada de terrível e assombroso, mas infinitas novidades e oportunidades.
Os filósofos e cientistas ateus se tornaram cada vez mais comuns e populares. A partir de então, o cristianismo tomou um "choque térmico" - o que antes era fácil de explicar ("Deus disse") agora deveria ser revisto e confrontado com evidências. A palavra "fé" começou a ser sinônimo de preguiça e falta de intelectualismo. Numa época em que o intelectualismo era a fonte da verdade, Thomas Paine escreveu: "A arma mais formidável contra erros de todo o tipo é a razão. Nunca usei outra e confio que nunca usarei."
Enquanto no século 17 era mais raro ver um ateu do que ver gelo no deserto, no século 18 começa a aparecer o deísmo (Deus existe, mas não Se envolve com o ser humano), assim como o ateísmo, principalmente influenciado por Voltaire, Hume e Immanuel Kant.
Depois dessa reviravolta do intelecto e de praticamente tudo que existia na sociedade, a igreja e a Bíblia receberem algumas "pancadas" científicas, alguns se levantaram para defender que a fé e a razão poderiam andar de mãos dadas. Depois de Tomás de Aquino, um dos primeiros foi William Paley, que tentou mostrar evidências para a existência de Deus. Depois dele, muitos defenderam o cristianismo e a Bíblia formando uma área de estudo chamada "apologética", ou seja, a defesa racional do cristianismo.
Agora a gente consegue entender um pouco melhor como surgiu essa controvérsia entre fé e razão. A questão é a seguinte: O que vamos fazer com isso? Melhor, o que você vai fazer com isso? Uma das opções que você e eu temos é: absolutamente nada. Gostamos da nossa vida sem saber a verdade, ou pelo menos sem buscar algo que faça sentido, algo que satisfaça nossa razão e nosso coração. Por isso, fique à vontade para se manter no seu status quo. Outra opção é ir atrás, cavar profundamente aquilo que pode definir o que você vai acreditar para o resto de sua vida.
A busca pela verdade é como atravessar a rua. Como seres humanos racionais, somos obrigados a conformar nossas crenças à realidade, e não o contrário. Antes de atravessar a rua, precisamos conformar nossas crenças sobre as condições do trânsito de acordo com o que vemos ao redor. Se começarmos a atravessar a rua porque preferimos acreditar que ela está livre de carros e porque é mais conveniente para nós, vamos arriscar ser atropelados. O ônibus não se importa com o que preferimos ou com o que é conveniente. É nossa responsabilidade responder aos fatos, nos conformar a eles. Para isso, precisamos investigar nosso mundo e descobrir as verdades por trás dele.
Como diria o filósofo René Descartes: "É insuficiente ter uma mente boa, o mais importante é aplicá-la bem." Aqui está o desafio: faça uma viagem racional para o encontro da verdade. E o mais importante de se lembrar em toda essa "viagem" é que a verdade é a verdade, quer acreditemos ou não. A verdade não requer que a gente acredite nela para que ela seja verdade, mas com certeza ela merece ser acreditada.
Marina Garner Assis

MARINA GARNER ASSIS   Marina Garner Assis nasceu em Hong Kong, durante a colonização inglesa. Filha de pai norte-americano e mãe brasileira, após os 8 anos cresceu em Porto Alegre, RS. Formada em teologia, é esposa do pastor Luiz Gustavo Assis e atua como professora de Ensino Religioso na Escola Adventista do Sarandi, RS.

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