Jacques B. Doukhan
Jesus "entrou num dia de
sábado na sinagoga, segundo o seu costume" (Lucas 4:16).
"Sobre esta pedra edificarei a
minha igreja" (Mateus 16:18).
A primeira passagem descreve
um costume na vida de Jesus, algo que Ele fazia cada sábado. Ele adorava na
sinagoga judaica ou no templo.
Este foi um costume que os
discípulos seguiram mais tarde ao irem de cidade em cidade em suas viagens
missionárias como registrado no livro de Atos.
A segunda passagem contém uma
promessa: que Jesus mesmo edificará a igreja na qual será adorado como Senhor e
Salvador do mundo. Os apóstolos, mesmo quando adoravam nas sinagogas, falavam
muito sobre a igreja como o corpo de Cristo e como a comunidade de crentes em
Cristo como o Enviado de Deus.
Essa era a idade apostólica.
Mas desde então, a história não tem registrado nada senão contenda e conflito
entre a sinagoga e a igreja, entre judeus e cristãos.
É este conflito necessário?
Devia o ódio marcar a relação entre as duas comunidades? Podemos compreender e
aprender um do outro? A resposta devia ser "sim" por três razões: ambas as
comunidades têm muito em comum; o cristianismo pode aprender muito do judaísmo;
e o judaísmo pode aprender muito do cristianismo.
O terreno
comum
O cristianismo e o judaísmo
partilham a mesma raiz. Primeiro, há a Escritura. Jesus e os discípulos tinham
uma só Bíblia: o Antigo Testamento. Com efeito, o Novo Testamento funda-se no
Antigo e o amplia.
Segundo, há a teologia. Tanto
o judaísmo como o cristianismo partilham o conceito de um Deus pessoal que criou
nosso mundo. A história da Queda, o chamado de Abrão, a outorga dos Dez
Mandamentos e a ênfase ética dos profetas são todos parte de uma herança comum
dos dois grupos religiosos.
Terceiro, há a história. A
filosofia da história de que Deus está no controle e que a história move em
direção de um clímax numa base linear pertence tanto ao cristianismo como ao
judaísmo. A igreja deriva sua história da igreja no deserto, e haure apoio e
inspiração das promessas feitas aos israelitas. A demais, a igreja cresceu no
solo de Israel. Os primeiros cristãos eram todos judeus que se conduziam como
judeus fiéis. Jesus era judeu. O Antigo Testamento bem como os
midrashim (as parábolas judaicas) eram parte de Seu ensino. Todos os
Seus discípulos eram judeus; a maior parte, senão o todo do Novo Testamento, foi
escrito por judeus que constantemente faziam referência às Escrituras e
tradições.
Com tanto em comum, por que
deveria haver conflito entre as duas religiões? Ao contrário, não deveriam estar
aprendendo uma da outra?
O que o cristianismo
pode aprender do judaísmo?
A igreja pode aprender de
Israel seu amor pela Escritura. As Escrituras hebraicas foram preservadas pelo
trabalho tenaz de escribas judeus, que com cuidado copiaram os antigos
manuscritos, e também pêlos judeus fiéis, que os leram através das gerações na
sinagoga. Moisés, Isaías, os Salmos e o Cântico dos Cânticos são ainda cantados
na língua original. Graças aos judeus, os cristãos podem ter acesso ao texto
hebraico do Antigo Testamento, ao modo hebraico de pensar dos escritores do Novo
Testamento e até às orações hebraicas, através das quais Jesus adorava. O papel
da Escritura na vida e no culto judaicos é algo que os cristãos podem
apreciar.
A igreja também pode aprender
do judaísmo o sentido mais profundo da lei, dos Dez Mandamentos, das leis
dietéticas, do sábado e todo o código moral. Estes não só têm sido preservados
por escrito pêlos judeus, mas também têm sido testemunhados pela gente que os
observa em sua vida. A igreja precisa dos judeus para refletir sobre a teologia
da lei. Os cristãos tendem a enfatizar a graça a tal ponto que amiúde têm
ignorado o valor da justiça e obediência. As emoções, sentimentos e a
experiência subjetiva têm sido salientados à custa da fidelidade, vontade e o
dever objetivo da obediência.
Na mesma linha, a igreja
precisa dos judeus a fim de redescobrir o valor intrínseco e a beleza de estudar
a Palavra de Deus. Com demasiada frequência a Bíblia tem sido usada para provar
nosso ponto numa disputa teológica ou como uma inspiração sentimental
superficial para devoção religiosa. Na verdade, o cristão pode esperar a direção
e iluminação do Espírito Santo, mas é ingénuo pôr o Espírito no lugar do estudo
pessoal das Escrituras.
Os cristãos também podem
aprender do modo como os judeus adoram: sua reverência, seu respeito pela
Escritura, seu cântico congregacional que envolve esforço mental, sensibilidade
estética e emoções profundas, bem como os movimentos do corpo. Atenção a estes
pontos podia inspirar os cristãos a fazer seus cultos mais criativos e
exaltantes.
Outro valor religioso que os
cristãos podem aprender dos judeus é a alegria de viver, o sentido de festa e a
habilidade de receber a dádiva de Deus na Criação. Desde os primeiros tempos, a
influência do gnosticismo, especialmente de Marcião, levou a igreja a opor o
Deus do Antigo Testamento como o Deus da Criação ao Deus do Novo Testamento como
o Deus da salvação. Esta distinção reflete-se às vezes na teologia cristã que
interpreta o domingo como o sinal da salvação versus o sábado, sinal da Criação.
Este dualismo tem influenciado gerações de cristãos e produzido uma religião de
tristeza que deprecia o riso e o regozijo. Os cristãos podem aprender dos judeus
a dar atenção tanto à vida física como à espiritual. Podem deles aprender uma
visão holística da vida. O que comem, o que bebem, o quer que façam afeta todo
seu ser. Os cristãos, como os judeus, podem afirmar que a religião é um modo de
vida e não uma pose da alma.
O que os judeus podem
aprender dos cristãos
A história mostra que Israel
precisa da igreja. Os cristãos fizeram o Deus de Israel conhecido em todo mundo.
Os cristãos traduziram a Bíblia hebraica e levaram sua mensagem a todo o mundo.
Do Amazonas à África, do Alaska à Austrália a história de José e os salmos de
Davi têm sido ouvidos tanto por gente simples como sofisticada. A teologia
judaica de particularismo tem sido complementada pelo universalismo cristão. Um
subproduto desta missão cristã é o conhecimento do povo do Antigo Testamento e a
existência de Israel. Este é um dos paradoxos mais interessantes da história.
Sem a igreja, o judaísmo podia ter ficado uma religião insignificante e obscura
que bem poderia ter desaparecido.
Os judeus têm ignorado o Novo
Testamento deliberadamente, embora fosse escrito por judeus mesmo antes da
redação do Taimude. Os judeus tirariam proveito da leitura destes textos, pois
não só testemunham da vida e crença dos judeus do primeiro século, mas também
contêm verdades valiosas que podem fortalecer e enriquecer suas raízes
judaicas.
Acontece que judeus bem
versados em suas próprias Escrituras e tradição podem entender o Novo Testamento
melhor mesmo do que os cristãos, que amiúde projetam nele sua própria filosofia.
Os judeus descobrirão que o Novo Testamento não é tão estranho como pensam.
Afinal de contas, foi escrito no contexto de uma visão do mundo modelada pelo
Antigo Testamento. Abordado deste modo, os judeus podem até obter uma melhor
compreensão de suas raízes. Frequentemente o significado e a beleza das
Escrituras hebraicas são iluminados pelas explicações do Novo Testamento. As
histórias do rabino de Nazaré, Suas parábolas e Seus ensinos os surpreenderão
por seu sabor judaico e os elevados ideais judaicos que comunicam.
Graça (hesed) não é
propriedade exclusive da mensagem cristã. O judaísmo também aprecia a graça.
Contudo, os judeus podem aprender dos cristãos que a salvação não é alcançada
por mitzwoth (leis), mas vem de Deus que entra na história e atua em
favor de . Seu povo. Os judeus precisam aprender mais quanto à proximidade de
Deus—ao Deus que entra no processo complexo da encarnação a fim de falar com os
seres humanos, a fim de estar com eles e salvá-los. Certamente Abraham Heschel
está consciente disto quando observou que "a Bíblia não é a teologia do homem
mas a antropologia de Deus".*
Informando-se sobre a
encarnação de Deus, os judeus compreenderão melhor o Deus de Abraão, Isaque e
Jacó—o Deus que falou face a face com Moisés, o Deus que lutou por Israel em
Jericó e o Deus que falou através dos profetas. E esta perspectiva introduzirá
até mais vida em suas mitzwoth. A lei não será simplesmente observada
como uma exigência mas brotará do coração como um fruto emergindo de sua relação
pessoal com Deus.
A missão dos
adventistas do sétimo dia
A missão do remanescente
escatológico de testemunhar ao mundo mal se cumpriria sem referência a suas
raízes. A flor não pode desabrochar se a árvore não tem raízes; o futuro não
pode ser evocado sem esta memória. Esta exigência contém toda uma filosofia
sobre testemunhar. A responsabilidade de levar a mensagem aos judeus e aos
cristãos implica o dever de respeitá-los. Não é possível pregar aos judeus sendo
anti-semítico; de igual modo não é possível pregar aos católicos sendo
anticatólico. A missão adventista pertence aos judeus, aos cristãos e a todos no
mundo.
Nós adventistas somos
herdeiros tanto da história judaica como da cristã. Também temos o mandato do
evangelho eterno de Apocalipse 14. Nossa mensagem é única não só porque proclama
plenamente Jesus e a lei, graça e obediência, mas também porque abrange o
futuro. Nossa missão não é apenas de natureza histórica, de proclamar um
acontecimento do passado; é também de natureza escatológica, para declarar um
evento futuro.
Nossa missão, portanto, devia
ser cumprida com humildade, abertura e sensibilidade, com a consciência de que
há sempre algo a aprender e receber de outros a fim de alcançar homens e
mulheres em toda parte, gentio oujudeu.
Os dez pontos de
Seelisberg
Logo apos a Segunda Guerra
Mundial, pastores protestantes e católicos preocupados com a forca terrível do
anti'semitísmo, que atingiu seu climax com o Terceiro Reich, reuniram-se com
seus colegas judeus para enfocar dez pontos a fim de evitar "apresentações ou
concepções falsas, inadequadas ou errôneas da doutrina cristã".
Publicado em 1947 pelo
Concílio Internacional de Cristãos e
Judeus.
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Nascido na Algéria de
antepassados judeus, Jacques Doukhan(Ph.D., Universidade de Estrasburgo; Th.D.,
Andrews University) ensina hebraico e exegese do Antigo Testamento na Andrews
University. É também o editor de Shabbat Shaiome L'01ivier,
uma revista judeu- crista publicada em inglês e francês. Entre seus livros se
contam Drinking at the Sources, Daniel e Hebrew for
Theologians. Seu endereço é: Andrews University, Berrien Springs, Ml
49104-1500; E.U.A.
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